Em fevereiro de 2009, há exatamente um ano, recebi um telefonema da redação da Tv Globo em São Paulo. Era Karina Dorigo, produtora do Projeto Amazônia: - Daniela? É Karina. Tudo bom? Gostaríamos que você fizesse uma reportagem para o Projeto. Você pode?
E logo ela começou a me “vender” a pauta, como se fala no jargão de jornalista. Foi amor à primeira vista. Fiquei encantada com a ideia dos produtores do Projeto Amazônia. Em catorze anos de profissão já havia feito várias reportagens sobre a floresta, a fauna amazônica, pesquisas científicas e outros temas sempre recorrentes. Mas o homem amazônico, como personagem principal, era oportunidade única e rara.
Topei na hora, principalmente quando soube qual era a proposta: acompanhar durante um ano a vida dos ribeirinhos. O primeiro desafio foi escolher o local onde a reportagem seria feita. Juntos, avaliamos que a Região do Médio Solimões seria perfeita porque é uma área de várzea e, portanto, seus habitantes – os vargeiros – sentem mais os efeitos da subida e descida do rio.
O segundo desafio: logística. Otávio Tostes, um experiente jornalista carioca que trabalhou na Rede Amazônica sempre dizia que qualquer viagem pela Região Amazônica é uma expedição. E é quase isso mesmo. Precisávamos de um local que fosse distante dos grandes centros, mas que pudéssemos contar com alguma infra-estrutura que viabilizasse a produção.
Surgiu Mamirauá, a primeira reserva de desenvolvimento sustentável do Brasil, um projeto sério, premiado, reconhecido mundialmente. Começou então o trabalho de pré-produção. O produtor Wagner Sabino e o coordenador de logística do Instituto Mamirauá César Modesto percorreram a Reserva por uma semana, avaliando as melhores locações, conversando com os moradores, procurando personagens – a maneira que chamamos as pessoas que exemplificam aquilo que queremos mostrar.
A primeira das quatro viagens foi no mês de abril. Nesta época raramente pisávamos em terra. Impressionante! Durante nove dias estivemos em cima d’água! Dormíamos em um barco pequeno, bem pequeno. Pela manhã pulávamos na voadeira que nos levava às comunidades. Entrávamos nas casas com canoa e tudo quando a porta ainda podia ser aberta ou... pela janela, quando havia jirau – o segundo andar de assoalho construído pelo ribeirinho para continuar vivendo na casa durante a cheia.
Voltamos duas vezes mais: em julho quando ficamos 11 dias morando nos flutuantes usados para fiscalização e pesquisas científicas na Reserva; e depois em agosto, quando as águas começavam a baixar e nascia Ibson, filho da Mayara e do Antônio. A última viagem foi em novembro, auge da seca. Nesta etapa voltamos aos lugares visitados nas viagens anteriores e conversamos com as mesmas pessoas para saber o que aquela estação, tão radicalmente oposta, mudava na vida deles.
E mesmo na seca, pegamos temporal. Durante a gravação da passagem do Apuizeiro, o céu foi fechando e as nuvens negras se aproximando. Tivemos que sair quase correndo de volta para o barco: o meu cabelo quase em pé sinalizava que ali naquele ponto da praia existia a possibilidade de cair um raio! Salvos pelos conhecimentos de física do César...
Na seca andávamos muito. Para chegar à comunidade de Maguari, por exemplo, eram exatos 15 minutos, cronometrados, do rio até a primeira casa. Parece pouco? Então imagina o que é caminhar na areia fofa, úmida, às vezes lama mesmo, sol escaldante e... carregando equipamento! Para nós o esforço durou apenas duas semanas. Para eles dura uma vida toda.
Passamos por cinco municípios – Tefé, Maraã, Alvarães, Uarini e Fonte Boa. Percorremos quase 200 quilômetros do Rio Solimões e seus afluentes. Para contar aquelas histórias, tivemos um apurado trabalho de produção, mas muitos personagens foram garimpados... por sorte. Nosso encontro com o Aluiziano dos porcos, por exemplo. Paramos no flutuante dele apenas para pedir uma informação e nos deparamos com aquela cena emblemática da retirada dos porcos! Sorte. Foi como agulha no palheiro...
Também foi o acaso que nos conduziu até Joyce e sua comovente história da perda do filho. Seguindo o regatão chegamos sem querer a Marlene, a simpática mãe de família que finaliza o programa com aquele “presente” de frase “Tem muita gente que acha que a gente vive num buraco. Mas esse buraco aqui tem muita coisa boa a nos oferecer”. Que mulher sábia! Curiosidade: ganhei aquele travesseiro de munguba que aparece na reportagem. Adorei!
Finalizado o trabalho de captação de imagens – magistralmente feitas por Sisley Monteiro em três das viagens e Hélio Gonçalves em uma delas – e captação dos sons – executada pelos operadores Epitácio Araújo , o Pita e Edvaldo Simão, o Ed – começou a finalização do material. É nesta etapa que as 56 horas gravadas começam a ganhar corpo e são resumidas em 35 minutos que é o tempo do Programa. A editora Cláudia Guimarães, no Rio de Janeiro, confidenciou que foi duro escolher o que ia ficar de fora. Opinião compartilhada pelo editor de imagens Francisco Carvalho, o Chiquinho. Dois grandes profissionais.
Televisão é isso, trabalho em equipe. Por trás de cada imagem que vai ao ar, existem talento e esforço coletivo – e muitas vezes anônimo. Que bom poder compartilhar com vocês os créditos dos colegas. Todo o meu agradecimento à eles.