sábado, 23 de janeiro de 2010

Morte e Vida Ribeirinha



Nasci e cresci na Região Amazônica. Tempestades tropicais - os nossos “torós” - e o sol inclemente fazem parte da minha história de vida. Meu pai, parintinense, com o orgulho das coisas da terra, típico do homem do interior, fez com que eu crescesse amando comer peixe só no sal e limão. Ainda sinto aquele friozinho na barriga de quando pulava do barco bem no meio das escuras águas do Rio Negro.

Embora tenha nascido em Manaus, está bem viva na minha memória a “vida de cabocla” que levava nos fins de semana quando, nos balneários - nossos “banhos” - a família toda tinha contato direto com a natureza amazônica. Esperava ansiosamente o domingo...

Mesmo para mim, foi uma grande surpresa a realidade que vi e ouvi durante o ano de 2009, quando preparava a reportagem que foi ao ar nesta sexta-feira. No meio da floresta, a natureza desafia o homem a cada segundo. Visão, audição, olfato, todos os sentidos do ribeirinho estão sempre em alerta. Pelo cheiro dá para saber se vem chuva! Uma marca um pouco mais forte na terra molhada indica que um animal passou por ali! Séculos de convivência com a mata e os conhecimentos que vão passando de geração em geração transformaram o ribeirinho em um leitor de símbolos amazônicos.



Não há nada de bucólico nas cenas de canoas abarrotadas de gente, crianças por cima de sacolas, senhoras segurando sombrinhas coloridas. É duro, muito difícil. Aquelas pessoas estão cruzando durante horas, às vezes dias, furos, igarapés, rios inteiros para sair ou chegar em suas casas. É a única alternativa para ir ao médico ou comprar um saco de açúcar. Suor, esforço, determinação poderiam substituir a tão batida frase “Os rios são estradas na Amazônia”, que de tão frequente nos textos jornalísticos já virou até jargão, lugar comum, abolida pela a maioria dos editores, felizmente. Há muito mais a dizer...

Dizer, por exemplo, que falta quase tudo: mais escolas – e que as que estão lá realmente funcionem na prática - postos de saúde mais próximos às comunidades equipados, pelo menos, para os atendimentos básicos. Dizer que falta a presença do poder público e que as pessoas continuam tentando sobreviver mesmo naqueles anos que não são eleitorais. Dizer que lá, nos lugares mais distantes, o ribeirinho pode não ter voz para reclamar suas necessidades urgentes, mas ainda assim tem sabedoria de dar inveja.

Fui para a Reserva de Mamirauá para a produção da reportagem do Projeto Amazônia da Tv Globo achando que iria falar da relação de amor e ódio entre o ribeirinho e a água. Achava que era uma tentativa do rio de expulsar os intrusos, uma gente que está ali há pouco mais de quatrocentos anos. O ribeirinho, por sua vez, quer desafiar, mostrar que é possível sim dominar a natureza.Não achei o que procurava. A relação do ribeirinho com o rio é de amor e amor. O ribeirinho, por sua vez, quer desafiar, mostrar que é possível sim dominar a natureza.



Diante de uma das maiores cheias da história, que destruiu casas e arrasou plantações perguntei, insistentemente, a todos que encontrava: “- Você não fica com raiva do rio invadir a sua casa, levar tudo que você tem?” Ouvi, sempre, invariavelmente, a mesma resposta: “- Não, de jeito nenhum. É Deus quem quer assim”. Pode parecer conformismo. Não é. Com toda sua sabedoria, o ribeirinho entende que a mesma água que causa transtornos, fertiliza o solo onde é plantada a mandioca de onde sai a farinha deles de cada dia. Não se pode odiar o que torna a terra fértil, o que facilita os deslocamentos nos recôncavos mais distantes, o que permite a vida na floresta.

A maioria das pessoas que encontrei não sabia que iríamos chegar lá, naquela hora, naquele dia. Mesmo com a produção bem feita, dá para imaginar, a comunicação é praticamente impossível. Não dá para marcar entrevista. Não por escolha, chegávamos de surpresa nas casas. Nunca vi ninguém deitado em rede, dormindo. Na maioria das vezes, a pessoa que procurávamos estava mata adentro, trabalhando, roçando. Quem estava perto de casa, fazia pequenos reparos, pescava, limpava o peixe, beneficiava farinha. As mulheres cozinhavam, lavavam roupa.

De tudo que aprendi, o que mais me marcou foi descobrir a notável capacidade do ribeirinho de se reinventar a cada ciclo de cheia e seca, a determinação de sobreviver num lugar tão desafiador e a incrível característica de aceitar a realidade sem se conformar com ela, vivendo uma vida de eternos recomeços.




21 comentários:

  1. O que falar desses bravos guerreiros???
    Pessoas simples porém com tanta garra, caragem e com vontade de sempre vencer. Para eles não existi desistir nunca.E sim sempre recomeçar, mesmo diante de tantos obstáculos que a natureza impõe.Mas eles sabem como lidar com a natureza, apesar das circunstancia que aparecem.
    Me emocionei muito com a história de vida da Dna. Joice, ela que teve 10 filhos sendo que 2 morreram. Um por afogamento.Meu Deu!
    Outra momento que eu achei interessante é o respeito que eles tm por todos. Um ajuda o outro.A amizade sempre prevalece e a união faz a força.
    E vc Daniela parabens! pela reportagem
    Mais uma vez vc foi maravilhosa!!!!!!!!

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  2. Boa tarde Daniela!!!
    Quero te parabenizar pelo lindo trabalho mostrado ontem no Globo Repórter...foi uma lição de vida e tanto, os ribeirinhos mesmo com pouca tecnologia, as quais valorizamos tanto, conseguem ser felizes com o pouco que tem, pq a felicidade é assim msm a cada dia e precisamos de tão pouco..msm com tanta dificuldade, eles continuam a sorrir...
    Vc é uma ótima jornalista gostei mto do seu trabalho , vc se entrega msmo pisava na água sem nenhuma proteção, abraçava as pessoas com tanto carinho...diferente de mtos profissionais. Parabéns!!!

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  3. Boa tarde, Daniella!!!
    Parabenizar pelo lindo trabalho de reportagem que foi apresentado ontém no Globo Reporter é pouco para expressar tamanha gratidão e orgulho de ver tão bela reportagem. Quero mesmo é lhe agradecer pelo presente que você nos deu com o programa exibido ontem. Sabemos que não é fácil a vida daquelas pessoas mais confeço a você que chorei quando você deu aquele abraço naquela mãe que havia perdido sua filha. Parabéns pelo maravilhoso trabalho e espero por outros tão bons e melhores ainda. Parabéns você é uma das melhores reporteres que o Brasil tem. Parabéns mais uma vez e obrigado pela reportagems mais uma vez.

    Marcel Nicolau
    Santarém - Pará

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  4. Parabéns Daniela.
    Você estava ótima no Globo Reporter.
    Adorei as imagens, entrevistas...
    Muito bom mesmo.
    Abraços
    Eliana Printes

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  5. Oi, Daniela.

    Não vi a reportagem e cheguei até aqui por um link que a Maura colocou no Twitter.

    Mas não preciso ver o Globo Repórter para ter certeza que você fez um excelente trabalho. Precisamos, sempre, mostrar ao resto do país e do mundo que na Amazônia existem pessoas. Todos se preocupam com árvores e animais (preocupação válida, aliás), mas esquecem do sofrido ribeirinho.

    Fico feliz de, na minha curtíssima trajetória profissional, ter tido o prazer de entrevistá-la. Como escrevi naquelas ingênuas linhas de uma aluna do primeiro ano de jornalismo, você é o rosto e a voz da Amazônia para o mundo.

    Ainda bem.

    Um beijo!

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  6. Dani...que bom finalmente ver um Globo Repórter, inteirooooooooo e muito bem editado e produzido, com vc. Foram muitos os elogios dos colegas de trabalho aqui do sul do Brasil. Ontem conheceram um pouco do que é a Amazônia, muito bem retratada por vc. Saudade. Bjo!
    Gilson
    Guarapuava / PR

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  7. Daniela, é um privilégio ter a oportunidade de ver um trabalho magnífico como esse. Obrigada.
    O teu texto postado no blog evidencia a vida dura dos moradores dos rios com uma clareza e sensibilidade perfeitas. Parabéns. Texto muito lindo mesmo.
    Abração
    Mercinha Marinho

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  8. Querida Daniela, quero parabenizar a linda reportagem que vc e sua equipe fizeram!
    Que Deus continue abençoando a todos vcs ricamente!
    Um grande abraço, Ana Lucena.
    Manaus / AM

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  9. Parabéns Daniela. O seu trabalho mostrado na sexta-feira no Globo Reporte merece todos os créditos e deixou orgulhoso todos os amazonenses... por ser da terra e por ter uma reporter de primeira categoria. PARABÉNS!!!
    Claudemir Andrade
    Manaus - Am.

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  10. Parabens Daniela, é um orgulho pra nós amazonense ter uma reporter tão talentosa e competente como você,ficamos muito felizes pelo seu trabalho, divulgando a nossa história, nossa gente tão sofrida mais feliz, pela vida que eles tem, no lugar onde eles vivem.
    Continue sempre assim que DEUS sempre lhe abensoará, saiba que adimiro muito seu trabalho e pela história que você esta escrevendo no jornalismo amazonense, ou por que não dizer brasileiro.

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  11. Daniela bom dia, gostaria de parabeniza-la pela a reportagem apresentada no globo reporter de sexta-feria 22-01-2010,bem completa e super detalhada, e principalmente bem apresentada. Como costumo dizer :"Show de Bola",Parabéns
    Hernandes
    BH - MG.

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  12. Surpreendeu-me tanto que na pressa cheguei a uma imperfeição acima da habitual. Com remendos, emendas e trejeitos, tentei remediar o talvez ainda remediável. Nesta versão com revisão e correção, porém de quem ainda se atrapalha facilmente quando se aventura nos mistérios de nossa língua. Sei no que deu não? Mas, apague o anterior como favor. Grato.
    Deste nem arrisco opinião. Porém, creio justificada a nova versão como meio.
    Ousei até o título abaixo, ambíguo por natureza.
    Sobre as palafitas do céu!
    Me entenda bem como quiseres, até tão bem quanto o que assusta a maioria que o mal dizem, não me entenda mal. Pois é pessoal e só cabe a você o receber e, se sentir uma faísca de luz d a estrela das emoções, guarde-o no canto íntimo dos secretos que nos enriquecem um tanto a mais. Como coube o recebê-la, nesse bem, guardando-o e pronto, ponto. Seguimos em frente e não ferimos ninguém, além de que, foi e muito;
    Estimulante!
    Ver o que a princípio parecia um igual na tv, crescer mansamente à uma altura legal, no simples jeito diferente, sem alardes românticos e tocando a fundo a alegria, dor, amor e sofreguidão, com a elegância dos humanos naturais, como seus entrevistados.
    Sinceramente me esforcei, mas não sei se consegui encontrar palavras duras como plumas de travesseiro fresco, ou macias como porcos se afogando no chiqueiro, sendo salvos.
    Correndo o risco de que este ao contrário dos seus, se tornasse um bilhete de frases curtas e pobres.
    Mas saiba que tentei, pacientemente e às vezes nem tanto, tentei, senão como poderia parabenizá-la e agradecê-la por uma das poucas matérias jornalísticas afortunadas que já assisti.
    Sem a expectativa de um exuberante por do sol de cinema e não da tv, ou a fantástica vida animal numa anta ou capivara pastando pacatamente a merenda e etc., apesar de reconhecer o bom gosto e a técnica apurada nas imagens vangoguianas do seu colega. Talvez cacoete. Pego de algum japonês.
    Também ainda livre daqueles(a) se achando exuberantes e maiorais, tanto quanto acham de suas passagens vaidosas de poesias ao revés.
    Contigo não, foi um bate papo fraterno, genial, porque é! Com licença e vai entrando, quase sempre antes dela, numa graça de graça é graça, pode e poderia sem pedido, a naturalmente dada ao respeito incuto no seu jeito puro, Daniela.
    Como a matéria, vai àquelas alturas, com os pés na água barrenta, às vezes joelhos, noutras, sentada pranamente na ponta da fina canoa, com um sorriso nem mais nem menos, ao ponto, de quero mais. Abraços e beijos profundos, sinceros. Andar maroto de amada amante, plena mulher.
    Retratando com discrição além ponto, perto do disfarce, a vida focada pela visão das apaixonadas apaixonantes, ardentemente iluminada e difusa.
    Acerto? Caso sim ou não, é irrelevante.
    Vim aqui só para dizer, valeu! Daniela!
    Grande matéria, bela!
    Vou indo me segurando para não dizer um tanto a mais para você, sem mesmo mais saber porque, além do prazer.
    Paz!
    Jm Neto.
    atometiel@hotmail.com

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  13. Dani,
    Só hoje consegui assistir ao programa inteiro.
    Parabéns a você e toda a equipe pelo excelente trabalho.
    Sua sensibilidade foi fundamental para ajudar a nos mostrar um pouco da realidade difícil do povo de nossa região.
    Um registro memorável da vida ribeirinha.
    Sucesso, sempre!

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  14. Querida Daniela,

    Assisti a Reportagem no Globo Reporter e hj vi novamente no Canal Multi Show, fiquei impressionada com o domínio e a propriedade que vc realizou a matéria.Me senti orgulhosa por termos uma repórter tão competente e que sabe falar muito bem das características de nossa região. Desde sexta ando comentando com todos sobre a reportagem de tão chocante (no bom sentido)que foi para mim. Desejo muito sucesso na sua carreira profissional e que vc seja motivo de muito orgulho para todos os Amazonenses. Um grande abraço.

    Chirley Costa dos Santos

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  15. PARABÉNS MAIÚSCULO PRA TI DANIELA! Tu fizeste o Fantástico, no Globo Reporter.

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  16. Sensacional. É o melhor comentário que se pode fazer diante de tão grandiosa reportagem sobre a nossa região cheia de riqueza de detalhes que demonstram sua capacidade como repórter. A reportagem em si choca para a maioria das pessoas que não conhecem a realidade dos ribeirinhos, mas é absurdamente normal para os que assim vivem nessas áreas por vários, se não todos, municípios da Amazônia. É importante que nós conheçamos a história de vida do nosso povo e vc foi muito feliz em traduzir isso para nós. PARABÉNS! Qdo tiver um tempinho, faz uma visitinha ao meu blog. Será um prazer.

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  17. Eterna Cunhã-Poranga do nosso Caprichoso. Linda, linda, linda a sua matéria do Globo Reporter. Emocionate, Fantástica. Parabéns!!!!

    Carlos Frazão
    Parintins, AM

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  18. Daniela não sei que grau de parentesco temos mais independente disso sou sua fã assisto tudo sobre vc na tv, sinto muito orgulho,vc além de linda é uma profissional de primeira PARABÉNS!
    Beijos Márcia Assayag Belém-Pa
    meu@ é assayagcordeiro13@hotmail.com

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  19. parabens pra mim vc é a melhor jornalista do nosso Am

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  20. Belo texto de uma jornalista do quilate e beleza da Daniela! Parabéns!]

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  21. MENTINDO!

    Eu menti sim, ao te falar de amor.
    Vou confessar... Eu menti!
    E não me recrimine por favor,
    porque foi com você que aprendi!

    Eu menti e vou mentir outra vez!
    Nenhuma palavra queira ouvir de mim!
    Menti e minto por tudo que você me fez,
    me enganando, precipitou o fim!

    Estou me sentindo bem mais aliviada.
    Quero que nunca mais acredite em nada
    do que eu disser a qualquer hora!

    Minto a dor que agora estou sentindo.
    Menti e vou continuar sempre mentindo,
    do mesmo jeito que estou fazendo agora!

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